quinta-feira, 19 de julho de 2007

As bibliotecas e os livros digitais

"... A verdade tem muitas faces e é como a velha estrada para Avalon: depende da nossa própria vontade e dos nossos pensamentos para onde é que a estrada nos leva…"
Marion Zimmer Bradley – “As Brumas de Avalon"

O mundo move-se hoje a uma velocidade cada vez mais vertiginosa. Na sociedade do efémero, cultura e valores diversificam-se ao mesmo tempo que convergem para um ponto comum. No dealbar de um novo paradigma, produto da revolução tecnológica a que assisti-mos diariamente desde os últimos trinta anos, “estamos […] a viver a crise das estruturas institucionais e ideológicas”(1) instituídas, questionadas por cada inovação que surge. Até, e para o que nos interessa, o livro. E, como «sequela», a Biblioteca. Os livros em formato digital vaticinam, para muitos, o fim do papel e do espaço físico que o alberga, tal como desapareceram os obeliscos ou as tábuas de barro das antigas civilizações (Eco, Umberto; 2003).

São muitas as possíveis (e já reais) aplicações e potencialidades associadas aos livros digitais. Não ocupam espaço «físico» nas lotadas prateleiras de bibliotecas cuja localização em espaços urbanos atrofiados não permite a sua expansão. Não utilizam (ou não deveriam utilizar) o papel, com os seus custos ecológicos exorbitantes. A integração de conteúdo multi-média (poderemos continuar a chamar-lhe livro?). Pode ser partilhado em rede simultaneamente por vários utilizadores. Não sofre o desgaste físico do livro tradicional…

Mas são também várias as suas limitações, como se pode verificar ao tentar aceder a formatos que são tão velhos como trinta anos. Preocupação de que os milenares e «ultrapassados» livros não padecer. A profusão e efemeridade dos formatos utilizados representam uma ameaça à própria memória da humanidade. Também a curta duração, superabundância e incerteza na veracidade e correcção dos próprios conteúdos disponibilizados representa uma ameaça à nossa própria cultura. E o muito referido argumento de que «ler no computador não é a mesma coisa que ler no papel»…

Não obstante todas as divergências de opiniões que acima se referem superficialmente, a coabitação entre o suporte digital e o suporte papel não desaparecerá tão cedo. Aliás, “também tendemos a esquecer que o livro tipográfico é uma máquina, um artefacto construído pelo ser humano, que veio a ser aperfeiçoado tecnologicamente ao longo dos séculos. Tem uma dinâmica interior pensada, artificial e não natural, é a manifestação de uma intenção de comunicação/expressão, de preservação/evolução e de memória passado/presente/futuro. Da mesma forma, o ser humano tecnologicamente capaz constrói os animais mecânicos à luz e à medida da sua condição civilizacional.(2)

A Biblioteca tem sido o palco privilegiado tanto para a referida coabitação como para a «disputa» pela hegemonia, alvo também de uma crise existencial. Se a informação deixar de ter um suporte físico, o seu papel enquanto guardião da nossa memória colectiva e mediadora poderá ser colocado em causa. Mas se os livros realmente desaparecerem, isso não seria um bom motivo para abolir as bibliotecas. Pelo contrário, deveriam sobreviver como museus, conservando as descobertas do passado, da mesma maneira que conservamos a Pedra Rosetta porque já não estamos acostumados a cinzelar os nossos documentos em superfícies minerais. (Eco, Umberto; 2003). Ou então poderemos mesmo reinventar o conceito da biblioteca, com pequenas mudanças que, todavia, manterão as suas funções como guardiãs certificadoras do conhecimento, salvaguarda da nossa memória colectiva. Não obstante, creio que as bibliotecas continuarão ligadas à preservação da informação e à mediação entre esta e o utilizador.

Qualquer que seja a realidade futura, estamos hoje perante uma mudança que poderá afectar a forma como vivemos hoje a civilização e como esta o será. Compete-nos definir como queremos que o devir seja. Nunca como hoje necessitámos tanto do nosso passado para mantermos a identidade… e amanhã?..

(1)Petrucci, 1997, cit. Furtado, José Afonso, O Pixel e o Papel
(2)Pinto, Cláudia M. J. , 2003, Do androids dream of electronic books?

terça-feira, 17 de julho de 2007

quarta-feira, 16 de maio de 2007